"A embriaguez dos sentidos é abismo de esquecimento da responsabilidade de consciência perante as exigências da evolução”. (Joanna De Angelis)
* Trabalho apresentado no I Seminário de Saúde e Espiritualidade da Faculdade de Medicina de Barbacena, em outubro de 2008, Barbacena, MG; e na XXVI Semana de Espiritismo e Psiquiatria do Hospital Espírita André Luiz, no mesmo período, em Belo Horizonte, MG. (Carlos Eduardo Sobreira Maciel )
A espiritualidade auxilia na prevenção e no tratamento das doenças (inclusive das dependências químicas)
Essa afirmação pode a princípio parecer dogmática, mas é a conclusão de diversos trabalhos científicos. A religião e a medicina tornaram-se independentes uma da outra com o desenvolvimento científico e tecnológico. Mas nos últimos anos uma força tem aproximado esses dois campos do saber. A comunidade científica tem mostrado interesse em entender como a espiritualidade pode auxiliar os médicos a obterem melhores resultados no exercício da profissão. Para exemplificar isso podemos dizer que desde o ano 2000 foram publicados cerca de 3000 artigos sobre religião e saúde mental.
Cito também o trabalho de um importante pesquisador, o médico Harold Koenig, que demonstrou como a fé, a oração e a prática religiosa podem ser aliadas da ciência médica. Dos seus 114 estudos, 91 concluíram que:
Religiosos têm bem-estar mais elevado e maior esperança do que os não crentes;
Há um número menor de casos de depressão e suicídio em indivíduos que têm alguma prática religiosa;
Ansiedade, medo e vícios atingem menos as pessoas que tem alguma fé. E a recuperação de doentes que sofrem desses males também é mais rápida.
Baseado nessas informações, podemos dizer que a religiosidade é um fator de prevenção e também um recurso terapêutico na questão das dependências químicas. Esses trabalhos demonstram que a religiosidade é fator de promoção e recuperação de saúde, independente da crença que se professa. E quando olhamos esses trabalhos à luz do Espiritismo, encontramos uma concordância com seus resultados, além da ampliação da compreensão da etiologia, fisiopatologia e terapêutica das dependências.
Introdução O que chamamos de drogas são substâncias psicoativas, ou seja, que tem ação sobre o sistema nervoso central. As drogas de abuso compartilham um mecanismo biológico comum: a propriedade de promover direta ou indiretamente a ativação de vias dopaminérgicas, mesolímbicas e mesocorticais, associadas ao prazer, com principal envolvimento da área tegmentar, do córtex pré-frontal e do nucleus accumbens. Estas substâncias podem provocar uma ampla variedade de transtornos que diferem em gravidade (de uma leve intoxicação não complicada até graves quadros psicóticos ou demenciais irreversíveis).
Histórico O uso de substâncias psicoativas sempre existiu em todas as sociedades desde tempos mais remotos e acompanha o ser humano em uso ritualístico e festividades. Essa situação perdurou por vários séculos com um aparente controle social sobre o consumo. No entanto, nas últimas décadas, estamos convivendo com um crescimento do consumo de substâncias lícitas (como o álcool e o tabaco) e com o aumento da utilização de substâncias ilícitas como a maconha, cocaína, crack e ecstasy.
Hoje o uso de substâncias responde por uma parcela importante das internações psiquiátricas (segundo uma recente pesquisa do Ministério da Saúde, publicada no Jornal do CFM, essa parcela é de 18% das internações) e está associada a elevadas taxas de adoecimento psíquico e físico (vários órgãos são afetados). Além disso temos a gravidade das conseqüências dos episódios de abuso, principalmente acidentes de trânsito, exposição a comportamento sexual de risco e atos de violência, trazendo danos individuais e coletivos.
Dependências Trataremos do problema das drogas. Mas é muito importante dizer aqui que a questão da dependência e dos vícios não se restringe às drogas. A dependência de drogas faz parte de um grande grupo de dependências e por isso é importante lembrar que as pessoas podem ser viciadas em drogas, mas também viciadas em trabalho, em comida (temos assim os transtornos alimentares como as compulsões alimentares e a bulimia nervosa), viciadas em jogo (jogo patológico), viciadas em sexo (em psiquiatria, são os quadros conhecidos como satiríase e ninfomania), e há os viciados em pessoas (são dependências afetivas, relacionamentos afetivos doentios onde a pessoa se torna objeto da outra e na sua ausência podemos observar verdadeiras crises de abstinência).
Porque razão as pessoas procurariam os caminhos que levam às dependências? Há possíveis explicações psicológicas, psiquiátricas, genéticas e espirituais. Procurei nas semanas que antecederam esse nosso encontro, perguntar aos pacientes, internados sob os meus cuidados, para desintoxicação, o que os levou às drogas e pude perceber que as respostas não variaram muito (má influência dos companheiros, curiosidade, fuga...). Compreende-se que na base da dependência geralmente encontra-se um indivíduo com algum transtorno na personalidade, com dificuldades em enfrentar a vida em determinadas situações (com sentimentos de menos-valia, uma baixa auto-estima, um não confiar em si mesmo) e que acaba optando por uma fuga, um deslocamento para o objeto do qual se torna dependente. Outras possibilidades são: dificuldades em lidar com limites (impostos pela vida, em relação ao prazer e aos riscos) e presença daquilo que chamamos de patologias de base, como os transtornos afetivos. Por exemplo: Pessoas com depressão às vezes recorrem ao álcool para “tratar” sintomas depressivos como a insônia e o desânimo. Procuram então, a sonolência e a euforia provocadas pelo álcool, mas encontram um sono de qualidade ruim e a labilidade afetiva (da euforia acabam aprofundando a depressão). Além de piorarem a depressão, tornam-se muitas vezes, dependentes do álcool.
No livro As Dores da Alma, o autor Hammed pontua que os dependentes se apegam ao objeto (drogas, jogos, sexo, trabalho, e relacionamentos), buscando um prazer que preencha um vazio interior.
Segundo Victor Frankle, psiquiatra, fundador da Logoterapia, o vazio interior ou existencial, se manifesta principalmente num estado de tédio. Na visão de V. Frankle, os vícios podem ser entendidos se reconhecermos o vazio existencial – a ausência de sentido para a vida – subjacente a eles. Daí o porquê do vício atrair as pessoas - por que “preenche” o vazio existencial (na realidade entorpece, anestesia, para que o vazio não seja sentido). O chamariz da droga seria uma sensação agradável de curta duração. É o aspecto agradável da sensação que a faz desejável, e é a sua curta duração que gera a dependência, pois logo que passa a sensação agradável é preciso que rapidamente seja fornecida a próxima dose do vício, do contrário a sensação agradável logo se transforma em desagradável.
Do ponto de vista biológico, encontramos alterações genéticas. Nosso cérebro usa um sistema do tipo recompensa para garantir que persigamos e obtenhamos as coisas de que precisamos para sobreviver. Por exemplo, um estímulo vindo de fora (a visão de alimentos, digamos) ou do corpo (níveis de glicose em queda) é registrado pelo sistema límbico, que cria um impulso que é conscientemente registrado como desejo. O córtex então instrui o corpo a agir para realizar seu desejo. A atividade envia mensagens de resposta ao sistema límbico, que libera neurotransmissores – opióides internos que elevam os níveis circulantes de dopamina e criam uma sensação de satisfação. Segundo os geneticistas norte-americanos Kenneth Blum e David Comings, algumas pessoas teriam dificuldades em obter satisfação da vida, e teriam a síndrome de deficiência da recompensa ((biologicamente poderíamos assim explicar as compulsões) e por isso nunca conseguem o suficiente daquilo que querem: alimentos, drogas, jogos, sexo, etc. Esses geneticistas suspeitam de que um determinado gene (alelo D2R2), encontrado em 70% dos dependentes químicos, comedores compulsivos e jogadores patológicos, seria responsável por parte do comportamento. Na presença desse gene a dopamina seria impedida de se ligar a células nas vias de recompensa e a sensação de prazer que as pessoas têm com a liberação desse neurotransmissor seria reduzida.
Numa perspectiva médico-espírita a predisposição genética seria uma marca espiritual, ou seja, temos registrado em nosso DNA alterações secundárias a desequilíbrios em vida pretéritas – no caso seria a drogadição experimentada em vidas passadas.
Das dependências aos adoecimentos:
Na visão de Emannuel, nós adoecemos por reter a energia dos objetos da dependência (tratando-se das dependências de pessoas e objetos).
No livro Caminho, verdade e vida, o autor nos fala que “somos proprietários apenas daquilo que conseguimos levar dentro de nós. O resto é empréstimo Divino. Mas temos o hábito (ou melhor, o hábito adoecido que chamamos de vício) de reter as coisas, os objetos, as pessoas e suas energias, e assim vamos adoecendo...”. Veremos então todo o processo de adoecimento físico, psíquico e perispiritual.
Quanto às lesões perispirituais, numa perspectiva reencarnacionista, encontraríamos o motivo de várias lesões congênitas no trato gastro-intestinal, aparelho circulatório e no sistema nervoso central, bem como de alguns quadros de deficiência mental, no consumo de drogas. Segundo André Luiz, nos livros Ação e Reação (cap19) e Nos Domínios da Mediunidade (cap 15), os dependentes químicos atravessam as fronteiras da desencarnação como suicidas indiretos e retornam à carne em veículos físicos com lesões nos referidos órgãos e sistemas.
Quadros clínicos:
1)Intoxicação aguda: caracteriza-se pelo consumo de uma ou mais substância em quantidades suficientes para interferir no funcionamento normal do organismo. Ocorrem perturbações no nível de consciência, percepção, cognição, afeto e comportamento do indivíduo.
2)Síndrome de abstinência: conjunto de sinais e sintomas que ocorre quando o indivíduo diminui ou interrompe o consumo de determinada substância psicoativa após o uso prolongado e/ou em altas doses. É provável que o paciente refira que os sintomas são atenuados pelo uso posterior da substância.
3)Síndrome de dependência: conjunto de fenômenos fisiológicos e comportamentais no qual o uso de uma substância alcança prioridade na vida do indivíduo. Há necessidade da presença de pelo menos 3 dos seguintes critérios, características da dependência química:
- Forte desejo ou compulsão pela droga;
- Dificuldades de controlar o consumo a partir do seu início;
- Síndrome de abstinência;
- Evidências de tolerância;
- Abandono de interesses em favor do uso da substância e
- Persistência de uso a despeito de conseqüências nocivas.
Classificação: De acordo com a ação no sistema nervoso central, as drogas podem ser classificadas como:
- Depressoras: álcool, benzodiazepínicos, solventes e opiáceos.
- Estimulantes: cocaína, crack, anfetaminas, ecstasy.
- Perturbadoras: maconha, Lsd.
ÁLCOOL: O álcool é a spa mais consumida porque tem ampla aceitação cultural e fácil acesso aos usuários. Isto torna as complicações relacionadas ao seu uso as mais recorrentes entre os transtornos associados ao uso de spa.
1.Mecanismo de ação: O álcool e os tranqüilizantes são drogas depressoras (ou inibidoras) do sistema nervoso central e agem diminuindo a ação neuronal através da ação nos neurônios de Gaba ( ácido gama-amino-butírico).
2.Intoxicação aguda: varia de uma leve embriaguez a depressão respiratória e morte. Os sintomas: geralmente num 1o momento com excitação, alegria e desinibição; evolui com impulsividade, irritabilidade e agressividade; e depois depressão e ideação suicida. Estando sempre presentes uma diminuição do raciocínio, alteração do julgamento, fala pastosa, ataxia. Aqui já é possível perceber o aumento de riscos: Impulsividade + agressividade + alteração de julgamento = heteroagressão. Impulsividade + ideação suicida = auto-agressão. Desinibição + impulsividade + alt. do julgamento = comportamento promíscuo. Alt. do julgamento + ataxia = acidentes.
3.Síndrome de abstinência: Início: dentro de 4 a 12h após a redução ou interrupção do consumo. Término: 4 ou 5 dias. Sintomas: desconforto GI, ansiedade, sintomas depressivos, aumento de PA, taquicardia, sudorese, tremor, insônia, febre, cãibras. Menos de 5% tem abst. Grave com convulsões (à há na literatura espírita informações acerca dessa complicação. Espíritos que dividem a energia do álcool com o dependente, ao se desligarem do mesmo, no momento da abstinência, já que a razão da ligação cessou, provocariam uma crise convulsiva) e delirium tremens (q. com tremores grosseiros, sudorese profusa, aumentos significativos da PA, FC e temperatura, alucinose) (àas alucinoses são alterações sensoperceptivas secundárias às flutuações no nível da consciência da pessoa em abstinência. Geralmente são visões de seres deformados e de situações assustadoras. A explicação deste fenômeno psicopatológico também pode ser encontrada em algumas obras espíritas:
- No livro No Mundo Maior, André Luiz nos fala sobre o dantesco quadro de perturbações alucinatórias que acomete dependentes químicos, em decorrência da ação obsessiva de entidades vampirizantes.
-No livro Medicina da Alma, Joseph Gleber explica o mecanismo dessas alucinoses - no consumo das drogas, além das lesões físicas, temos danos no duplo etérico (corpo sutil que protege o corpo físico) e um rompimento de sua tela atômica, a qual nos separa do plano astral. Neste dano encontramos explicações para as visões (alucinoses) que sofrem os dependentes em situações de intoxicação e/ou abstinência. Lembramos que podemos acessar o plano espiritual (acesso aos planos superiores) num desdobramento induzido por preces, meditação e estados de expansão da consciência. É como se houvesse uma porta que nestes estados se abre naturalmente. A lesão provocada pela droga pode ser comparada a um arrombamento desta porta, uma explosão desta porta, dando à criatura acesso aos planos inferiores.)
COCAÍNA: É a 3ª substância ilícita mais utilizada no Brasil, perdendo para a maconha (1ª) e para os solventes. É um alcalóide natural extraída da planta Erythroxylon coca, estimulante do SNC e anestésico local. Isolado na virada do séc. XX e largamente utilizada até o início dos anos 20 quando foi proibida em vários países europeus e Eua devido à dependência e ao comportamento de abuso que causava. Ressurgiu nos anos 80.
1)Mecanismo de ação: a cocaína pertence à classe de drogas estimulantes do SNC, agindo por meio do bloqueio de recaptação de dopamina, serotonina e noradrenalina nas sinapses.
2)Intoxicação aguda: aumento da FC, da PA, da vontade sexual, da auto-estima; diminuição do apetite; euforia, sudorese, tremor, comportamento violento, pânico, sintomas paranóides (considerar a possibilidade de percepções de quadro obsessivo). As complicações psiquiátricas agudas são os principais motivos de procura por atendimento médico de urgência entre os usuários de cocaína.
3)Síndrome de abstinência: sintomas marcadamente psíquicos: disforia, depressão, ansiedade, insônia, lentificação.
-Início: algumas horas após a interrupção do consumo.
- Duração: dias ou semanas. Contudo episódios de fissura (desejo súbito e intenso de utilizar a droga, associado à memória da euforia em contraste com o desprazer presente) podem acontecer meses depois após a interrupção.
MACONHA: Representante das drogas perturbadoras, a maconha é derivada do cânhamo (cannabis sativa). A maconha ou “fumo” é a combinação de brotos, folhas, caules e sementes da cannabis, fumados em cigarros de fabricação caseira.
1)Mecanismo de ação: atua em receptores canabinóides distribuídos pelo córtex, hipocampo, hipotálamo, cerebelo, complexo amigdalóide, giro do cíngulo anterior. Temos neurotransmissores canabinóides endógenos envolvidos em diversas funções, as quais são perturbadas pelo consumo de canabinóides. Ocorrem disfunções de apetite, humor, atenção, coordenação motora e de funções cognitivas superiores.
2)Intoxicação aguda: além das disfunções supracitadas, podem ocorrer reações psíquicas com variável gravidade: reações ansiosas, depressivas, maniformes e paranóides (inclusive desencadear surtos psicóticos). à novamente aqui considerar questão da tela atômica, nos casos de alucinose.
3)Síndrome de abstinência – controvérsias são superadas por algumas semanas de prática em uma Urgência Psiquiátrica, onde recebemos pacientes em sofrimentos devido à abstinência de cannabis.
Tratamento: Vamos finalizar, de certa forma, por onde começamos. Podemos dizer que as vias da prevenção são bem próximas às do tratamento. Os recursos visam as raízes do problema:
- Farmacoterapia (das patologias de base e dos sintomas de abstinência e de intoxicação)
- Psicoterapia (das questões da personalidade)
- Estímulo à religiosidade – dentro da crença individual (lembramos da prática da prece e da meditação – facilitadores do acesso aos planos extra-físicos, como alternativa aos efeitos das drogas que forçariam esse acesso...)
Vimos no início que trabalhos científicos demonstram a importância da religiosidade na prevenção e tratamento das doenças, inclusive das dependências. Mas como abordar o paciente? Pesquisas mostram duas situações:
- Apesar de 77% dos médicos pensarem que a crença religiosa pode trazer benefícios aos pacientes, a maioria deles não sabe como chegar ao doente e introduzir a espiritualidade na conversa;
- A maioria dos pacientes quer que os médicos abordem a questão da religiosidade.
É necessário que se crie uma ponte entre as partes. E o profissional de saúde deve ter uma sensibilidade muito grande para tocar nesse assunto. Algumas recomendações são: apoiar a crença espiritual do paciente, não prescrever a religião para ateus, nem dar conselhos espirituais.
Vontade: “Não há arrastamento irresistível. Uma vez que se tenha vontade de resistir. Lembrai-vos de que querer é poder.”(Questão 845 Livro dos Espíritos).
Todos os recursos terapêuticos são importantes, mas a eficácia de todos eles dependerá sempre, da vontade da pessoa dependente.