O
jovem Eurípedes Barsanulfo tinha três grandes desafios no início da sua vida
adulta. Os três desafios eram os seguintes: a doença de sua mãe, que era um
enigma tanto em termos de diagnóstico como de tratamento; a crença no
Espiritismo de seu querido tio, “Sinhô Mariano”, o qual deveria ser dissuadido
dessa opinião; e as bem-aventuranças de Jesus, as quais ele não tinha
encontrado explicação lógica para o seu sentido profundo que julgasse
satisfatória.
Eurípedes
Barsanulfo, como 22 anos (1902), já era um intelectual reconhecido na região de
Sacramento, ou seja, em todo o triângulo mineiro e circunvizinhanças. De fato,
nesta idade, Eurípedes já ocupava cinco cargos relevantes: Jornalista;
vereador; secretário da Sociedade São Vicente de Paulo (SSVP); Professor e
diretor do Colégio denominado “Liceu Sacramentano”.
De
fato, nesta época, em torno de 1902, o trabalho de Frederico Peiró na
divulgação do Espiritismo no triângulo mineiro já ganhava significativa
notoriedade. Foi Frederico Peiró o responsável pela orientação espírita de
Sinhô Mariano para que este, juntamente com vários colaboradores, fundasse o
Centro Espírita Fé e Amor. Realmente, a comunidade liderada por Sinhô Mariano
estava enfrentando dificuldades para administrar fenômenos mediúnicos de
efeitos físicos bastante ostensivos, os quais fizeram com que uma determinada
residência fosse tida pela população realmente como uma “casa mal-assombrada”.
Certo
dia, no ano de 1903, Sinhô Mariano hospedou-se na casa de Eurípedes Barsanulfo
(que estava com 23 anos), dividindo o quarto com o sobrinho. Eurípedes, que
aguardava a oportunidade para interrogar o tio sobre sua crença espírita,
começa a inquiri-lo e contra-argumentá-lo com a sua grande erudição. Cada
tentativa de explicação dos princípios espiritistas que Sinhô Mariano elaborava
era redarguida por uma série de citações e análises filosófico-religiosas
bastante eruditas por parte de Eurípedes. Aparentemente, o debate tem um vencedor
e esse era Eurípedes Barsanulfo. Mas, Sinhô Mariano, humilde e sábio, conclui a
discussão com um comentário desconcertante e ao mesmo tempo desafiador para o
sobrinho. O tio afirma que não tinha condições culturais para debater como o
culto sobrinho, mas que conhecia quem tinha condições para isso; neste momento,
Sinhô Mariano entrega a Eurípedes o livro “Depois da Morte”, de Léon Denis.
Eurípedes abre o livro e lê a folha de rosto da obra e fica profundamente
interessado no seu conteúdo. E começa a ler naquela noite mesmo. Aliás, passa a
noite lendo a obra.
Após
a primeira e rápida leitura da obra de Léon Denis, Eurípedes comenta
sucintamente com seu tio Mariano o impacto que aquela obra causara em seus
valores intelecto-morais. O tio, então, dá a obra de presente para Eurípedes
(até, então, a priori, o livro tinha sido apenas emprestado). Eurípedes
Barsanulfo lê, por segunda vez, “Depois da Morte”. Desta vez, mais lenta,
detida e pormenorizadamente. O abalo inicial de suas convicções ganha maior
proporção.
De
fato, Eurípedes encontra no livro de Léon Denis conceitos filosóficos sobre a
vida e a morte que lhe parecem corretos, e encontra, na reencarnação, nas
energias e na responsabilidade de cada um a causa para os desequilíbrios físicos,
morais e sociais. Mesmo ainda com algumas dúvidas, mas já abalado na sua fé
anterior, Barsanulfo parece estar disposto a conhecer outras obras espíritas e
a comparecer às sessões espíritas.
Vale lembrar
que Allan Kardec, em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, afirma que as idéias
inatas (e/ou rapidamente adquiridas) a respeito do Espiritismo denotam
realização de evolução espiritual prévia.
De fato, o próprio Léon Denis havia adquirido e lido “O Livro dos
Espíritos” com aproximadamente 18 anos e somente essa leitura constituiu o
marco decisivo de sua conversão ao Espiritismo, semelhantemente ao que
aconteceria posteriormente com Doutor Bezerra de Menezes no Brasil.
No
início do ano de 1904, após as supracitadas duas leituras atentas de “Depois da
Morte” de Léon Denis (a primeira delas mais rápida e a segunda mais lenta e
cuidadosa, a qual se constituiu em verdadeiro estudo metódico da obra do
célebre “filósofo do Espiritismo”, Léon Denis), Eurípedes já travava contato
com outras obras espíritas.
Eurípedes,
então com 24 anos, decide visitar o centro espírita dirigido por seu tio
Mariano.
A experiência
seria decisiva para Eurípedes Barsanulfo. De fato, Eurípedes presenciou
parentes analfabetos incorporando Espíritos ilustres (mediunidade psicofônica),
e mesmo falando línguas estrangeiras (Glossolalia ou Xenoglossia) e proferindo
conceitos filosóficos com grande amplitude de conhecimentos. A partir dali,
decide definitivamente tornar-se Espírita e ajudar no esclarecimento e no
amparo aos necessitados, vislumbrando novas possibilidades de ação na caridade,
a partir das novas perspectivas de ação no bem que os primeiros passos no
Espiritismo já permitiam que percebesse.
De fato, em
determinado momento, Eurípedes reflete mentalmente e lança um desafio
telepaticamente: “Se os mortos vivem e se o Espiritismo tem fundamentação real,
que o Espírito de João Evangelista se manifeste e explique as Bem-Aventuranças
através de Aristides”.
Importante
frisar que Aristides era um médium analfabeto, com sérias limitações
intelectuais, conforme muitos relatos de biógrafos e estudiosos da vida de
Eurípedes Barsanulfo.
Aristides
levantou-se e começou a discorrer sobre as bem-aventuranças imortais do sermão
da montanha de Jesus. Aquela teria sido a mais bela preleção que Eurípedes
Barsanulfo havia ouvido em sua vida até aquele momento. No fim da exposição,
Aristides, que estava claramente atuando como médium psicofônico, enuncia o
nome do autor espiritual daquela palestra: “João Evangelista”.
Doutor Bezerra
de Menezes, desencarnado há poucos anos, também se manifesta e saúda a
Eurípedes Barsanulfo de forma muito carinhosa, demonstrando que sua chegada ao
grupo e, principalmente, ao Espiritismo já era bastante aguardada pelos
mentores espirituais. O próprio Doutor Bezerra anuncia que o mentor espiritual
de Eurípedes Barsanulfo iria se manifestar através da mediunidade psicofônica.
E isso ocorre com o Espírito em questão afirmando que era Vicente de Paulo.
Eurípedes chocado pergunta se ele seria o autêntico “São Vicente de Paulo”, ao
que o Espírito responde afirmativamente, explicando que, apesar de saber que
Eurípedes dirigia uma instituição que levava seu nome (a Sociedade São Vicente
de Paulo – SSVP), ele, Eurípedes, necessitava juntar-se àqueles amigos
espirituais no trabalho dentro do movimento espírita. A reunião prossegue com
manifestações espirituais maravilhosas concluindo a conversão definitiva de
Eurípedes Barsanulfo ao Espiritismo. Poucos meses depois Eurípedes já
coordenava reuniões espíritas em Sacramento.
Após a
impactante reunião, Eurípedes procura um homem que era portador de hanseníase e
o cura através de seu magnetismo superior. Posteriormente, através da
terapêutica espírita curaria sua mãe, alcançando a obtenção de dois de seus
objetivos, ou seja, a explicação racional das Bem-Aventuranças de Jesus e a
cura dos males que importunavam sua própria mãe. Só não conseguiu converter seu
tio “Sinhô Mariano” ao Catolicismo, pelo contrário, converteu-se ao
Espiritismo, tendo em seu tio Mariano, juntamente com Léon Denis por meio de
sua obra, uma verdadeira “Porta de Damasco” ou, se preferirem, um verdadeiro
“Ananias”, em uma referência analógica à Conversão do Apóstolo Paulo ao
Cristianismo.
Posteriormente,
no ano de 1907, o próprio Espírito Luminoso de Maria de Nazaré teria aparecido
para Eurípedes Barsanulfo em um momento muito difícil, em que ele não tinha
alunos e nem professores, considerava-se falido e pensava em fechar o “Liceu
Sacramentano”. Maria de Nazaré recomenda que ele mude o nome da escola para
“Colégio Allan Kardec”, que ensine o “Evangelho de Seu Filho” e que “dê aulas
de astronomia”. Ela protegeria o trabalho com seu “Manto” e nada faltaria.
Assim foi feito. Os alunos e os professores voltaram e o trabalho de amor e
educação continuou ininterruptamente durante toda a vida do “Apóstolo
Sacramentano”; aquele que foi chamado por Jorge Rizzini, no título de sua
excelente obra biográfica, “O Apóstolo da Caridade”.
Leonardo /marmo Moreira
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