A Doutrina Espírita constitui uma estrutura
científico-filosófico-religiosa extremamente coerente, interdependente e
interrelacionada, tendo na Codificação Kardequiana seu alicerce teórico e
orientador em termos de metodologia e desenvolvimento. Por outro lado, o
Espiritismo não se restringe às obras da chamada “Codificação”, implicando que
o Espiritismo começa com as obras organizadas por Allan Kardec, mas não é
“concluído” nessas obras. Em outras palavras, a Doutrina Espírita evolui com o
passar do tempo através da contribuição dos estudiosos dos dois planos da vida,
uma vez que sendo ciência não dispensa a pesquisa e o contínuo estudo de todos
os seus adeptos. E é justamente devido a tais critérios rigorosos que o
Espiritismo é conhecimento como a Terceira Revelação, uma vez que representa a
busca constante pela “Verdade”, ou seja, pelo conhecimento das “Leis Universais
de Deus” em suas mais variadas manifestações. Essa característica, aliás,
constitui um dos grandes méritos conceituais do Espiritismo em relação a outras
correntes de pensamento, principalmente no meio religioso, pois a Doutrina
Espírita não está encarcerada em um determinado “livro sagrado” ou em uma
interpretação do passado que tenha recebido a classificação de infalível por
homens tão falíveis quanto nós mesmos. Como toda ciência, está sempre
reavaliando e expandindo conceitos básicos e ampliando implicações destes
conceitos através de nuances cada vez mais profundas e explicativas com relação
à Vida.
Vale lembrar a Codificação Kardequiana para frisar que “o
Espiritismo é de origem espiritual através do trabalho dos encarnados”, o que
ressalta que o trabalho de cada estudioso da Doutrina é muito importante na
decodificação das informações oriundas do mundo espiritual. De fato, temos no
Mestre Lionês o exemplo indelével da relevância do papel do estudioso encarnado
face às informações de natureza espiritual. Ademais, a chamada “Universalidade
do Ensino dos Espíritos”, associada à confirmação adicional da Ciência Humana,
constitui-se em um critério que exige profundo domínio das bases doutrinárias,
sob pena de que diferentes médiuns, sendo igualmente instrumentos de
informações equivocadas, corroborem-se mutuamente, dando origem a supostos
“novos avanços doutrinários”, os quais poderiam implicar em grandes equívocos à
luz da Verdade. Até porque a própria ciência humana está sujeita às
contradições, controvérsias e preconceitos, inerentes ao pensamento humano.
Assim sendo, surge a antiga questão concernente às
chamadas “Polêmicas” no meio espírita. Seria lícito fomentá-las? As discussões
em torno de temas mais complexos ou que ensejariam diferentes opiniões seria algo
válido para o desenvolvimento do movimento espírita ou deveriam ser evitadas
devido aos riscos de gerar cisões e cismas perfeitamente dispensáveis ao nosso
movimento.
Partindo-se do pressuposto de que ninguém é dono da
verdade e de que nem mesmo o Extraordinário Codificador do Espiritismo se
colocou próximo a essa condição, fica a dúvida: “O que fazer para que
caminhemos verdadeiramente para a Verdade?”. Um guia seguro para respondermos a
essa questão pode ser obtido através da orientação do Espírito de Verdade a
todos nós espíritas, conforme “O Evangelho Segundo o Espiritismo”: “Espíritas,
amai-vos! Este é o primeiro mandamento. E Instruí-vos! Este é o segundo”.
Em primeiro lugar, todas as relações entre os confrades
espíritas deveriam ser pautadas pela sinceridade na Fé, humildade no
reconhecimento dos eventuais erros doutrinários, troca fraterna de informação e
conhecimento, apoio recíproco nos trabalhos visando ao bem coletivo, sobretudo
à Divulgação Doutrinária, independentemente de diferenças de opiniões pessoais.
Basicamente, essa análise nos forneceria uma breve noção do primeiro mandamento
aplicado às atividades doutrinárias.
Com relação ao segundo mandamento, fica evidente a
necessidade constante de estudo individual e coletivo e sistemática reavaliação
dos princípios doutrinários fundamentais e de seus eventuais desdobramentos.
Ora, esse processo, como ocorre com quaisquer ciências, pressupõe troca de
informações, análises críticas e, eventualmente, discordâncias, pois a Fé
Espírita não é cega, mas raciocinada, o que está evidentemente ratificado por
suas bases científicas. Entretanto, nem sempre raciocinamos com lógica ou com
um conhecimento global do contexto em que está inserido determinado evento de
relevância espírita. Além disso, nem sempre temos um número de eventos
detalhados suficientemente para inferir generalizações.
Logo, apesar de termos a consciência de que a Doutrina
Espírita representa a luz da Verdade em nosso planeta, sem o estudo
sistemático, incluindo os inevitáveis debates a ele associados, jamais
assimilaremos individualmente essa luz e muito menos contribuiremos para uma
adequada Divulgação Espírita, a qual, segundo Emmanuel, é a maior caridade que
podemos fazer pelo Espiritismo. De fato, o próprio Léon Denis assevera que “O
Espiritismo será aquilo que os Espíritas fizerem dele”. Fica evidente que o
“Apóstolo do Espiritismo” está analisando muito mais o Movimento Espírita do
que a Doutrina Espírita propriamente dita. Entretanto, fragilidades no
Movimento Espírita repercutem negativamente na Divulgação Doutrinária, de
maneira que conceitos equivocados do ponto de vista Espírita podem se tornar
“pregações usuais” no nosso meio. Tal afirmação de León Denis, também denota
que por mais elevada que a proposta Espírita seja, ela estará sempre submetida
ao trabalho de nós espíritas e ao nosso livre-arbítrio, como, aliás, ocorre com
todas as coisas da vida.
Allan Kardec em “Revista Espírita” é bastante fiel ao
seguinte princípio: “Nós debateremos, mas não disputaremos”. Essa proposta deve ser sempre respeitada para que o
Bom Senso ajude a melhoria doutrinária de cada adepto do Movimento Espírita
minimamente interessado em acessar informações fidedignas. Assim sendo, dentro
dos limites do amor, da educação da fraternidade e do ideal superior que a
todos nos une, não debater questões doutrinárias mais complexas, seria estagnar
o conhecimento doutrinário, pelo menos para grande número de adeptos e,
conseguintemente, nivelar por baixo o discernimento dos espíritas de uma forma
geral. Devemos nos esforçar para que o crescimento do número de adeptos do
Espiritismo, que vem ocorrendo sistematicamente em nossa sociedade, não
signifique necessariamente o aumento da superficialidade doutrinária dos
mesmos, fenômeno comum a movimentos religiosos de massa, que não é o caso do
Espiritismo.
Leonardo Marmo Moreira
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