Após
o partido nazista assumir o poder na Alemanha, a restrição aos direitos civis
de determinadas minorias, sobretudo os judeus, começou a ganhar contornos
dramáticos. Nessa época, aproximadamente 42% dos médicos alemães eram judeus e,
como os judeus foram proibidos de exercer determinadas profissões e atividades
civis, muitos jovens médicos perceberam uma excelente oportunidade de ascensão
profissional, principalmente se esses candidatos às novas vagas se vinculassem
ao partido Nazista e à SS.
Portanto,
ao invés de protestarem contra a injustiça da ação governamental, de certa
forma a respaldaram, buscando aproveitar as oportunidades que adviriam deste
contexto, sem levarem em consideração os médicos prejudicados e, por
conseqüência, o impacto negativo na área de saúde bem como na academia do país.
Dentro
deste contexto, seria extremamente interessante ao governo nazista que a nova
classe médica vinculada ao Partido Nacional-Socialista desenvolvesse pesquisas
científicas que, de uma forma ou de outra, demonstrassem através de trabalhos
“científicos” desenvolvidos por profissionais “gabaritados”, a sustentabilidade
acadêmica das teses preconceituosas de superioridade racial dos arianos em
relação a todos os demais povos. Não satisfeitos em se considerarem
“superiores” do ponto de vista racial a todos os demais habitantes do planeta,
os líderes nazistas desejavam respaldar suas teses que desprezavam determinados
grupos e, desta forma, igualmente fomentaram pesquisas que “comprovassem”
estranhas propostas, tais como a inferioridade racial de eslavos, ciganos e,
principalmente, judeus, em relação aos demais grupos humanos.
Assim
sendo, sem o mínimo escrúpulo, inicia-se uma das páginas mais terríveis da
História Universal e principalmente da História da Ciência e da Medicina. Os
mais cruéis experimentos foram empreendidos com seres humanos visando à
comprovação da inferioridade racial de determinados grupos ou objetivando informações
de valor militar, como, por exemplo, o tempo de resistência humana durante o
afogamento e durante o congelamento. Obviamente, muitos seres considerados
desprezíveis pelos nazistas foram sacrificados nestes testes.
Após
o fim da Segunda Grande Guerra Mundial, em maio de 1945, os países vencedores
do conflito decidiram promover um amplo julgamento por crimes de guerra para
que os maiores líderes nazistas que sobrevivessem ao fim da guerra, uma vez
capturados, pudessem ser julgados e, eventualmente, punidos de forma exemplar.
Tal julgamento ficou conhecimento na posteridade como “O Julgamento de
Nuremberg”, uma vez que ele foi efetuado justamente nesta cidade do sul da
Alemanha. De fato, Nuremberg, antes da guerra, tinha recebido paradas militares
monumentais que serviram de propaganda do regime vigente bem como de pano de
fundo para os discursos exaltados do “fuhrer” do “Terceiro Reich” Adolf Hitler.
A escolha desta cidade, portanto, obedecia também a uma estratégia de
destruição da imagem triunfante do nazimo.
Uma das
grandes motivações para a elaboração e empreendimento de um julgamento inédito
na Humanidade foi a descoberta do chamado Holocausto, que vitimara mais de 4
milhões de judeus em campos de concentração. Este genocídio tivera sido preparado
friamente, culminando inclusive com uma conferência que determinou a eliminação
sistemática dos judeus dos territórios ocupados pela Alemanha. Tal decisão foi
denominada pelos nazistas como “a solução final para a questão dos judeus”.
Portanto, para que os culpados fossem punidos e para que seus equívocos não
viessem a ser repetidos na História, ficou decidido entre as potências
vencedoras da guerra, sobretudo Estados Unidos, Reino Unido, União Soviética e
França, que os nazistas deveriam ser submetidos a um julgamento por crimes de
guerra.
Após o
julgamento dos grandes líderes do Nazismo e da Máquina de guerra alemã, como,
por exemplo, Herman Göering, Rudolph Hess, Albert Speer, Karl Doenitz, entre
outros, a estrutura jurídica montada em Nuremberg teve outra tarefa não menos
complexa, ou seja, promover o julgamento de médicos e cientistas nazistas que
tivessem maculado a ciência e a medicina com atitudes cruéis sob quaisquer
pretextos acadêmicos.
Este segundo
julgamento promovido em Nuremberg foi um marco para as áreas biológicas e da
saúde, pois, a partir de então, as chamadas “ciências da vida”, teriam
rigorosas normas de comportamento, sendo que a transposição destes limites,
implicaria em graves conseqüências para o responsável. Realmente, a partir deste marco a denominada
“Bioética” ganha, de fato, corpo no contexto acadêmico das ciências,
significando que médicos e profissionais da saúde poderiam ser processados por
atitudes antiéticas com muito mais freqüência, tendo um importante precedente
histórico-jurídico. Todas as reflexões e estudos relacionados a esse julgamento
deram origem ao chamado “Código de Nuremberg”, que está transcrito abaixo:
Código de
Nuremberg
Tribunal Internacional de Nuremberg - 1947
Trials of war criminal before the Nuremberg Military Tribunals. Control Council Law
1949;10(2):181-182.
1 - O consentimento voluntário do
ser humano é absolutamente essencial. Isso significa que as pessoas que serão
submetidas ao experimento devem ser legalmente capazes de dar consentimento;
essas pessoas devem exercer o livre direito de escolha sem qualquer intervenção
de elementos de força, fraude, mentira, coação, astúcia ou outra forma de
restrição posterior; devem ter conhecimento suficiente do assunto em estudo
para tomarem uma decisão. Esse último aspecto exige que sejam explicados às
pessoas a natureza, a duração e o propósito do experimento; os métodos segundo
os quais será conduzido; as inconveniências e os riscos esperados; os efeitos
sobre a saúde ou sobre a pessoa do participante, que eventualmente possam
ocorrer, devido à sua participação no experimento. O dever e a responsabilidade
de garantir a qualidade do consentimento repousam sobre o pesquisador que
inicia ou dirige um experimento ou se compromete nele. São deveres e responsabilidades
pessoais que não podem ser delegados a outrem impunemente.
2 - O experimento deve ser tal que
produza resultados vantajosos para a sociedade, que não possam ser buscados por
outros métodos de estudo, mas não podem ser feitos de maneira casuística ou desnecessariamente.
3 - O experimento deve ser baseado
em resultados de experimentação em animais e no conhecimento da evolução da
doença ou outros problemas em estudo; dessa maneira, os resultados já
conhecidos justificam a condição do experimento.
4 - O experimento deve ser
conduzido de maneira a evitar todo sofrimento e danos desnecessários, quer
físicos, quer materiais.
5 - Não deve ser conduzido qualquer
experimento quando existirem razões para acreditar que pode ocorrer morte ou
invalidez permanente; exceto, talvez, quando o próprio médico pesquisador se
submeter ao experimento.
6 - O grau de risco aceitável deve
ser limitado pela importância do problema que o pesquisador se propõe a
resolver.
7 - Devem ser tomados cuidados
especiais para proteger o participante do experimento de qualquer possibilidade
de dano, invalidez ou morte, mesmo que remota.
8 - O experimento deve ser
conduzido apenas por pessoas cientificamente qualificadas.
9 - O participante do experimento
deve ter a liberdade de se retirar no decorrer do experimento.
10 - O pesquisador deve estar
preparado para suspender os procedimentos experimentais em qualquer estágio, se
ele tiver motivos razoáveis para acreditar que a continuação do experimento
provavelmente causará dano, invalidez ou morte para os participantes.
Tamanha
catástrofe mundial se tornou um triste, porém eloqüente, exemplo da necessidade
dos valores ético-morais guiarem a ciência. Por outro lado, as Cruzadas e
principalmente a Inquisição católica são exemplos categóricos das conseqüências
do dogmatismo e do fanatismo religioso, quando a religião ortodoxa torna-se a
única referência comportamental. De fato, mesmo alegando defender valores
ético-morais, a religião, quando desprezou o bom-senso e a ciência, chegou a
matar (e continua matando) um número enorme de pessoas, as quais, muitas vezes,
eram portadores de mensagens legítimas.
Einstein teria
dito que “a ciência sem a religião é coxa e a religião sem a ciência é cega”.
Isto equivale a dizer que a essência dos valores morais mais elevados da
religião é fundamental para nortear os caminhos e os limites de procedimento
para a ciência. Por outro lado, a ciência enrijecendo seus paradigmas
fundamentais, acaba dogmatizando-se, tornando-se restrita, e não atingindo uma
vasta área de realidades humanas básicas para a construção do esclarecimento,
da paz e da felicidade.
Entretanto,
nem todos os cientistas do início do século XX tinham essa percepção e muitos
não tiveram escrúpulo algum em relação ao desenvolvimento de suas pesquisas.
Tal mentalidade, ratificada por determinadas situações de extremo poder, sem
nenhuma espécie de “freio” moral, tem propiciado exemplos históricos terríveis,
os quais ilustram enfaticamente a célebre colocação de Jesus: “É necessário que
haja escândalos, mas ai de quem os escândalos venham”. De fato, os experimentos
ditos “científicos” dos médicos nazistas, antes e durante a Segunda Guerra
Mundial, foram um dos mais tristes episódios da história da medicina. Todavia,
Deus, que é todo poder e bondade, aproveita da nossa inadvertência para gerar
elementos efetivos para a própria educação da humanidade. Desta forma, um
significativo “boom” bioético tem ensejo a partir dessa época de sofrimento e um
grande avanço no senso moral e na responsabilidade social por parte dos cientistas
foi despertado dolorosamente após a guerra, com a revelação das calamidades
provocadas por aqueles que deveriam defender a vida. Realmente, os padrões
atuais da chamada “Bioética”, os quais são cada vez mais são debatidos e
aprofundados, tem na tragédia do Nazismo um marco decisivo para o seu efetivo
advento, estabelecendo limites morais rígidos para quaisquer tipos de
experimentação científica “in vivo”.
Atualmente, as
questões bioéticas ganham cada vez mais destaque nos meios universitários, religiosos,
científicos, jornalísticos e políticos, pois tanto do ponto de vista do avanço
das ciências médicas, envolvendo complexas questões como clonagem,
biotecnologia, eutanásia e aborto, como em se tratando das questões ambientais
que afetam todas as formas de vida material do planeta, torna-se necessário
debater com seriedade os limites morais válidos em cada profissão,
principalmente nas atividades da área de saúde, que envolvem os profissionais
que mais diretamente lidam com a manutenção da vida física de toda a
humanidade.
Sob a ótica
espírita, as questões associadas à Bioética ganham um caráter ainda mais amplo,
pois se deve considerar a dimensão espiritual de todas as manifestações da vida
e a profunda necessidade de manter a existência física, com a melhor qualidade
de vida possível, para que o ser reencarnado possa vivenciar ao máximo as
oportunidades evolutivas que a crosta terrestre proporciona. Esse esforço
certamente repercute diretamente na trajetória evolutiva dos indivíduos,
melhorando a condição espiritual do planeta como um todo, pois faz com que,
cada vez mais, desencarnemos significativamente melhores do que quando
reencarnamos.
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