A
primeira questão que surge ao analisarmos a proposta do dízimo é justamente
saber por que a doação mensal obrigatória à Igreja necessita ser exatamente a
décima parte (ou seja, literalmente o “dízimo”) do salário do crente (no caso,
do contribuinte).
O que essa percentagem teria de tão especial?!
De
fato, 10% da renda mensal para um indivíduo com maiores recursos econômicos têm
um impacto muito menor do que 10% para um pobre, pois as necessidades básicas
mínimas de vida para um homem são as mesmas. Até a lei humana já estabeleceu
isso há muito tempo nas taxas percentuais que são cobradas no Imposto de Renda
das diferentes camadas sociais. Aqueles que ganham mais, pelo menos em grande
número das sociedades mais justas, contribuem com uma taxa percentual maior de
seus ganhos do que os cidadãos menos abastados.
A
propósito, a passagem evangélica conhecida como “O óbulo da viúva” não seria
exatamente a antítese da cobrança do dízimo ou de qualquer taxa pré-fixada?! E
por que tem que ser exatamente 10%?! Seria um número “mágico”?! Por que não 8%
ou 12%?!
Outra
questão fundamental que surge de tal cobrança é ainda mais profunda. Por que eu
devo “terceirizar” os meus gestos de caridade?! Por que eu sou obrigado a
transferir para outro a minha responsabilidade ajudar?! Por acaso, o amor seria
uma Lei somente para os pressupostos “religiosos oficiais” e não para todos os
seres criados por Deus, isto é, todos os irmãos espirituais?! Se eu decidir
doar 10% do meu salário, por que eu deveria obrigatoriamente entregar esse
dinheiro a uma instituição A ou B para atender à Vontade de Deus?! Por que eu
mesmo não procuro as pessoas necessitadas que eu conheço e ajudo diretamente
aos meus irmãos?! Nós necessitaríamos de “atravessadores” para fazer o bem?! E,
o que é pior, isso agradaria a Deus?! Se não fizéssemos isso, Deus que é
onisciente, não consideraria nosso gesto de amor?!
Além
disso, se um indíviduo, que eu conheço minimamente, está passando por uma
necessidade material e eu posso ajudar, não seria uma obrigação minha, como
cristão, contribuir para a resolução do problema?! Ora, se eu doar o dinheiro
para a Igreja, a contribuição chegará a essa pessoa?! Provavelmente não. É
claro que a instituição religiosa pode dar um fim digno à aplicação do
dinheiro, mas não necessariamente vai ajudar aquela pessoa que somente eu tinha
conhecimento da necessidade. Todos nós temos responsabilidades pessoais perante
a Lei de Deus que não podem ser transferidas a outrem! Sobretudo, quando se
trata de indivíduos da nossa família espiritual, que são todos aqueles que
convivem conosco: parentes, vizinhos, colegas de trabalho, pessoas necessitadas
de nossa cidade etc.
Se
admitirmos que a contribuição do dízimo ou de quaisquer outros tipos de ofertas
materiais a instituições religiosas soluciona majoritariamente a nossa
necessidade de exercício da caridade, dentro do âmbito da caridade material,
estaríamos esperando que as instituições religiosas resolvessem totalmente os
problemas materiais do mundo, o que evidentemente não acontecerá. Ademais,
estaríamos desprezando a mensagem de Jesus, que nunca precisou de instituições
religiosas para fazer o bem. Pelo contrário, combateu o abuso das instituições
religiosas de seu tempo, as quais, tal como ocorre frequentemente nos dias
atuais, nem sempre cumpriam com suas obrigações mínimas de ação no campo da
caridade em suas várias vertentes, inclusive na caridade material. Realmente,
se considerarmos tamanha incoerência evangélica estaríamos ignorando um dos
mais belos ensinos de Jesus, que está inserido na chamada “Parábola do Bom
Samaritano”. De fato, nessa parábola, os religiosos não ajudaram o necessitado,
“passando de largo”. Poderíamos supor que tais religiosos (o sacerdote e o
levita) poderiam ter relevado tal atitude, pois não se sentiam sensibilizados a
ajudar, uma vez que “isso (ajudar o próximo!)” deveria ser obrigação das
instituições religiosas e governamentais (como, aliás, muitos pensam hoje em
dia).
Vale
lembrar que quando Jesus encontrou a Samaritana asseverou com muita
contundência “Chegará o dia em que Deus será adorado em Espírito e Verdade”.
Ora, o Amor, que é a síntese da Lei de Deus, tem na caridade o seu viés
dinâmico, atuante e trabalhador. Não vê hora, contexto e situação, tentando ser
sempre útil! Nos dizeres de Raul Teixeira, “caridade é o Amor dinâmico, o Amor
em ação”. Por outro lado, nem só de caridade material vive o Amor assim como
“Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de
Deus”. Será que se eu doar “apenas” o meu serviço, o meu tempo, a minha
inteligência e a minha boa vontade estarei em débito perante a Lei porque não
doei 10% do meu salário diretamente a uma determinada instituição religiosa?!
Alguns
poderiam argumentar que a doação do dízimo é “algo bíblico”. Diríamos, por
nossa vez, que tal cobrança pode ser bíblica, mas não é evangélica, uma vez que
as pressupostas bases bíblicas desse hábito estão inseridas no Velho Testamento,
sobretudo em Malaquias, e não no Novo Testamento, que corresponde aos ensinos
de Jesus, nosso Mestre. Ora, se cremos que Jesus é a nossa referência maior em
termos de religiosidade/espiritualidade, não deveríamos priorizar o Velho
Testamento em detrimento do Evangelho de Jesus! Léon Denis em “Cristianismo e
Espiritismo” afirma que a bíblia é um conjunto de livros de méritos espirituais
muito diferenciados e esta também é a opinião de grande número de grandes
estudiosos da Bíblia provenientes de
diferentes correntes religiosas. O Benfeitor espiritual Emmanuel afirma que “O
Velho Testamento é a busca do homem em direção a Deus e o Novo Testamento é a
Resposta de Deus a essa busca”. Portanto, o Velho testamento teria muito mais
do homem do que de Deus e o Novo Testamento teria uma contribuição majoritária
da Inspiração Divina em comparação com a parcela gerada pelas contradições
humanas.
Vale
adir que o próprio Mestre Jesus várias vezes corrigia crenças do Velho
Testamento quando afirmava “Tendes ouvido o que vos foi dito, Eu, porém, vos
digo....”, demonstrando que a mensagem dEle Jesus era muito superior àquela
exarada no chamado Velho Testamento.
Em
verdade, o dízimo só existe e é sustentado por alguns como “verdade bíblica” em
função da necessidade de manutenção material das igrejas, uma vez que na
maioria dos casos, com raras e especiais exceções, o religioso é infelizmente
um “religioso profissional”, ou seja, ele vive materialmente (recebendo salário!)
da religião, necessitando angariar fundos para manter-se economicamente. Assim,
grande parte do conteúdo econômico dos dízimos é obtida para pagar o salário
dos religiosos profissionais e não para gerar obras de benemerência para os
mais necessitados. Todos os Apóstolos de Jesus tinham suas profissões e
mantinham-se e a seus familiares com seus respectivos trabalhos materiais. A
maioria era constituída por pescadores, sendo que Mateus era cobrador de
impostos, Lucas era médico, Barnabé era oleiro e Paulo era tecelão. Assim
sendo, os Apóstolos viviam “dando a César o que é de César e dando a Deus o que
é de Deus”, e, podendo, dessa forma, “dar de graça o que de graça receberam”,
ou seja, tudo aquilo que era de valor espiritual, não desfrutando de nenhuma
vantagem de ordem material direta em função de divulgarem o Evangelho de Jesus.
Leonardo Marmo Moreira
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