Existe um
conjunto de polêmicas dentro do movimento espírita vigente atualmente que é, de
certa forma, fomentado por análises de comentários pressupostamente proferidos
por Chico Xavier na presença de confrades que mantinham contato pessoal com o
extraordinário médium mineiro. Essa situação tem gerado uma série de hipóteses
e teorias, as quais têm proporcionado intensa repercussão dentro do meio
espírita, tanto no que se refere à adesão pessoal de determinados confrades às
idéias em questão como a um esforço de divulgação intensa dessas referidas
propostas por artigos, livros, conferências e seminários.
Dentro
deste contexto, é fundamental que façamos algumas reflexões sobre este cenário.
Em primeiro lugar, tais polêmicas são geradas pela capacidade formadora de
opinião de Chico Xavier. A capacidade inteleto-moral de Chico Xavier e a
grandiosidade de sua tarefa, sua trajetória e seu legado dão a seus comentários
um peso naturalmente muito grande, o que nos remete no mínimo a uma análise
respeitosa.
Daí,
considerar seriamente tais hipóteses, fazendo uma análise racional e respeitosa
de qualquer comentário de cunho doutrinário pressupostamente partido de Chico
Xavier é mais do que uma atitude de elegância intelecto-moral, mas um dever de
respeito e de inteligência considerando o conhecimento, a experiência e o
legado que o grande médium nos deixou.
Entretanto,
não podemos, por outro lado, cair no fanatismo de, idolatrando Chico Xavier,
admitir tudo o que nos chega, teoricamente de origem Xavierina, como revelações
inquestionáveis do mundo espiritual, o que, infelizmente, tem sido observado,
pelo menos, em alguns casos.
Há
de se compreender que Chico Xavier, durante seus 92 anos de vida, sofreu
pressões inenarráveis de encarnados e desencarnados, de espíritas e adeptos de
outras religiões, de cientistas e curiosos, de necessitados materialmente e
necessitados da parte espiritual. Mesmo dentro do movimento espírita, as
pressões a que Chico foi submetido foram muito intensas, justamente em função
do peso de qualquer pronunciamento do médium. Disputas doutrinárias faziam com
que adeptos dos dois lados do embate quisessem, naturalmente, o apoio da
opinião favorável de Chico às suas idéias.
Chico
Xavier era um homem muito inteligente e obviamente inspirado e orientado pelo
mundo espiritual superior, e sabia de todo esse contexto à sua volta. Ademais,
ele também tinha conhecimento do seu poder de influenciar as opiniões dos
demais confrades. Tinha consciência que se pronunciasse opiniões taxativas
poderia estar acendendo um “barril de pólvora”, detonando fissuras que poderiam
favorecer cisões dificilmente reparáveis no movimento espírita. Obviamente, ele
desenvolveu um mecanismo de tentar ser fraterno e caridoso com todos os irmãos,
procurando, no entanto, evitar desgastes desnecessários. Assim, sabedor de que
a sua principal tarefa era o livro, como o próprio Emmanuel deixara claro em
várias oportunidades, ele procurou não participar mais efetivamente desses
debates, deixando para que os estudiosos deduzissem a verdade por seus meios
próprios através do estudo das obras de Allan Kardec, de suas próprias obras e
dos livros de demais autores espíritas e não-espíritas. Chico Xavier tinha a consciência
de que sua obra era extremamente atual, mas que deveria ser estudada por
séculos. Aquilo que não fosse possível esclarecer aos componentes da atual
geração deveria ser assimilado por gerações futuras mais preparadas para
assimilar a verdade. Obviamente, nós mesmos, atuais Espíritos encarnados
teremos, provavelmente, outras oportunidades encarnatórias para trabalhar no
movimento espírita reencarnando com mais recursos intelecto-morais para estudos
doutrinários mais profundos.
Enquanto
Chico Xavier estava encarnado, essas polêmicas giravam em torno de tópicos de
divergência histórica na interpretação doutrinária. Interessantemente, após a
desencarnação do médium, surgiram várias teorias a respeito da própria figura
de Chico Xavier, até porque, nesse novo momento, ele não estaria em pessoa aqui
na crosta terrestre para desmentir tais comentários.
Sem
duvidar da sinceridade e do desinteresse pessoal dos companheiros que obtiveram
pessoalmente alguns depoimentos mais controversos, é de se ressaltar que aquilo
que Chico deixou do ponto de vista doutrinário nos livros deve,
indiscutivelmente, deve ser considerado como portador de um peso doutrinário
maior. Os textos que chegaram pela mediunidade de Chico Xavier passavam, muitas
vezes, por severas revisões no mundo espiritual, conforme aconteceu com o
capítulo “Reencarnação”, da obra de André Luiz “Missionários da Luz”. Sem
desmerecer as informações de origem oral, nós sabemos que a elaboração de tais
enunciados é feita de forma muito mais rápida e menos sujeitas à reflexão bem
como mais submetida à emoção. Ademais, confrades ouviram comentários em
contextos diferentes que não eram claramente conclusivos para fechar uma
opinião a respeito da ênfase de cada comentário.
Assim
sendo, vale comentar um caso recente a título de ilustração nessa pequena
análise da questão. Recentemente, recebemos um e-mail de alguns confrades que
afirmavam que Chico Xavier teria tido 14 reencarnações de individualidades
conhecidas da história. Tal afirmativa foi baseada, segundo o texto recebido,
em depoimentos do próprio Chico Xavier a diferentes confrades que gozavam da
intimidade do médium. Contudo, entre essas personalidades eram citadas as
figuras de São João Evangelista, Platão e Allan Kardec. Ora, em “Prolegômenos”,
Kardec cita como autores da obra “O Livro dos Espíritos” os Espíritos de São
João Evangelista e Platão. A questão é, se os dois fossem o mesmo Espírito
Kardec necessitaria citar suas duas encarnações?! Seria ético e construtivo
dentro da proposta de Fé raciocinada da Doutrina Espírita tal exposição. Alguns
podem argumentar que Kardec poderia não saber dessa realidade e, se por algum
motivo, o mesmo Espírito assinasse duas mensagens distintas com cada um dos
seus nomes prévios, o Codificador não teria como saber disso. Admitindo essa
possibilidade, a nosso ver não muito bem justificada, porém não impossível de
ocorrer, surge ainda uma segunda problemática. Além de São João Evangelista e
Platão serem o mesmo Espírito, dentro obviamente desta hipótese, eles seriam,
nessa tese, o mesmo Espírito correspondente ao próprio Allan Kardec. Neste
caso, a hipótese ficaria ainda menos provável, pois Kardec estava na terra
organizando o pensamento dos Espíritos. Como Kardec não era médium, seria de se
supor que ele dormiria e pelo desdobramento parcial do sono físico enviasse
mensagens ao médiuns da Codificação, ora se identificando como Platão, e ora se
identificando como São João Evangelista. Só que muitas dessas mensagens foram
obtidas na presença de Kardec em total vigília e atenção em relação ao fenômeno
mediúnico. Para não descartar de vez a hipótese, podemos admitir que Kardec em
desdobramento ou mesmo antes de sua encarnação poderia ter deixado as mensagens
de sua lavra (com os nomes de Platão e São João Evangelista) sob a responsabilidade
de outro Espírito amigo fazer a transmissão para os seus médiuns. Tal situação
apesar de tecnicamente possível parece muito confusa e sem um propósito
definido, pois Kardec não precisava e até mesmo combatia a exposição orgulhosa
de nomes famosos. Segundo Allan Kardec, em “O Livro dos Médiuns”, o último
tópico avaliado nas mensagens mediúnicas deve o nome do autor, pois é o mais
fácil de ser adulterado. A Doutrina Espírita não era e não é baseada na
relevância de nomes celébres, mas na lógica de suas idéias amparadas nos fatos
continuamente observados na natureza. Aliás, justamente por isso o Espiritismo
é ciência, é filosofia e é religião, uma vez que a certeza
filosófico-científica gera a conscientização para a mudança moral do homem para
a atitude de fraternidade.
Além
disso, tais informações não são tão relevantes, uma vez que Chico Xavier tem
méritos tão representativos que não necessita de associação a reencarnações
prévias brilhantes, pois ele já tem brilho próprio e muito intenso pelo que fez
durante 92 anos através na “persona” Francisco de Paula Cândido Xavier.
Sem descartar
definitivamente as hipóteses elaboradas por confrades bem intencionados, temos
que utilizar da análise crítica para, seguindo o conselho de Erasto, em caso de
dúvida, em princípio rejeitar a idéia deixando-a em uma espécie de banho Maria,
a espera da confirmação através do Controle Universal do Ensino dos Espíritos,
pois “é preferível rejeitar 10 verdades do que aceitar uma única mentira”.
Leonardo Marmo Moreira
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