Uma
velha questão dentro do movimento espírita brasileiro consiste na relação entre
Umbanda e Espiritismo. Discussões acaloradas têm sido motivadas por essa
relação, que tem se mostrado intensa, desde o século XIX e a dúvida persiste:
Que tipo de ligação a Umbanda mantém com o Espiritismo? A Umbanda faz parte do
Espiritismo? Seria uma vertente? Ou não teria a mínima correlação?
Obviamente,
a resolução destas dúvidas iniciais consiste em pré-requisito fundamental para
se chegar a uma orientação segura para responder o segundo grupo de questões
que esse assunto fomenta: Como lidar com a Umbanda? Que tipo de atitude o
dirigente espírita deve apresentar quando influências umbandistas surgirem na
Casa Espírita? E quando entidades típicas das reuniões mediúnicas umbandistas
se manifestarem em uma casa espírita, que tipo de procedimento médiuns e
doutrinadores devem apresentar?
Para
responder a essas perguntas, que despertam bastante polêmica em nosso meio
espírita, primeiramente nós necessitamos entender o que o Espiritismo é e o que
o Espiritismo não é. Além disso, é fundamental refletir sobre o significado
profundo do Espiritismo frente ao Evangelho de Jesus, tendo-se em vista os
objetivos da Providência Divina para a comunidade do planeta Terra bem como o
papel do Espiritismo na busca por esses objetivos.
O
Espiritismo consiste em uma doutrina de aspecto tríplice, isto é, científico,
filosófico e religioso, que nasce da investigação de caráter profundamente
racional dos fenômenos mediúnicos efetuada em meados do século XIX por seu
Codificador, Allan Kardec. Esse estudo sistemático relevou aspectos profundos
do sentido da vida, respondendo questões existenciais ancestrais, tais como
“Quem sou eu?”, “De onde eu vim?”, “Para onde vou?”, “Qual a finalidade da vida
na Terra?”, “O que é Vida Física?”, “O que é a Morte?”, entre outras.
A sólida
estrutura científico-filosófica da Codificação Kardeciana repercute diretamente
na busca pela transformação ético-moral do ser humano, estabelecendo essa meta
como finalidade precípua da vida. Assim sendo, todas as lutas do ser humano
devem culminar nesse objetivo do Bem em todos os níveis, através tanto de
ferramentas intelectuais, como, principalmente, de avanços morais. Esse ideal
de evolução constante tem suas bases fundamentais no conhecimento da
imortalidade da alma, da existência do mundo espiritual, da possibilidade de
intercâmbio entre encarnados e desencarnados, da reencarnação e, finalmente, da
evolução infinita a que todos os filhos de Deus estão destinados.
Assim sendo, como
entender o movimento umbandista dentro de um ponto de vista Kardecista?
1)
A Umbanda mantém reuniões mediúnicas públicas e não
privativas, rituais, imagens e uso de vários artifícios materiais para seu fim
religioso, não podendo, a priori, ser considerada parte integrante da Doutrina
Espírita.
2)
Por outro lado, a Umbanda prega a reencarnação; crê na
mediunidade, desenvolvendo reuniões mediúnicas; crê, divulga e estuda a
evolução envolvendo diferentes reencarnações; crê na pluralidade dos mundos
habitados; considera Jesus o nosso maior Mestre na Terra, estudando o Evangelho
e, além de tudo isso, em grande número de seus núcleos, estuda e divulga a
Codificação Kardequiana. P pode ser considerada um dos movimentos religiosos
mais afins do Espiritismo. Diríamos mesmo que, se o Movimento Umbandista, em
princípio, não pode ser considerado como parte integrante da Doutrina Espírita,
deve, com muito mérito, ser considerado um importante parceiro do Espiritismo
na divulgação das Leis Universais de Deus.
Obviamente,
alguns confrades podem discordar destas colocações, dependendo muito da
experiência que cada trabalhador espírita tem com o Movimento Umbandista. Esse
tipo de discrepância deve ser considerado natural, primeiramente, levando-se em
consideração a heterogeneidade dos caracteres pessoais de cada indivíduo e, em
segundo lugar, aos aspectos doutrinários que mais despertam o interesse de cada
um. De fato, há adeptos de Espiritismo mais dedicados ao aspecto científico da
doutrina, outros são mais interessados em questões filosóficas e outros
profundamente conectados à proposta religiosa do Espiritismo. Desta forma, a
compreensão e o reconhecimento psico-social do papel da Umbanda na
universalização de conceitos importantes para a Doutrina Espírita vão variar de
indivíduo para indivíduo. De qualquer maneira, vale lembrar o Mestre Jesus
quando elucidou os apóstolos dizendo: “Aqueles que não estão contra nós, estão
por nós!”.
Muitos
autores espíritas asseveram, fundamentados nos textos básicos de Allan Kardec,
que o Espiritismo poderá não ser propriamente a única religião do futuro, mas,
certamente, o futuro das religiões, pois seus princípios fundamentais, os quais
são elucidações das Leis Universais de Deus, serão lenta e gradualmente
assimilados e praticados por um número cada vez maior de pessoas,
independentemente do rótulo religioso ou filosófico que cada cidadão apresente.
Considerando as multifacetadas características culturais de incontáveis grupos
religiosos no Brasil e no Mundo, seria contraproducente o Espiritismo buscar um
proselitismo radical, o que, por sinal, já foi desaconselhado por Kardec. Desta
forma, assim como aprovamos quando membros da ciência ou de outras religiões
defendem postulados em concordância com a Doutrina Espírita, apesar das
naturais diferenças de opiniões, faz-se necessário reconhecer que a Umbanda tem
atuado, pelo menos em grande número de seus núcleos, de forma digna do nosso
maior respeito e admiração, levando a indivíduos que ainda necessitam de cultos
com imagens e rituais, mensagens libertadoras como a compreensão da obsessão,
da desobsessão e dos mecanismos de ação e reação inerentes à Reencarnação.
Obviamente, a
qualidade das reuniões umbandistas, assim como acontece em nossos arraiais,
depende diretamente da mentalidade e do comprometimento do respectivo grupo
religioso. Neste contexto, devemos admitir que a dificuldade no Movimento
Umbandista deva ser ainda maior do que a que nós encontramos no Movimento
Espírita e que já não é pequena. Isso ocorre, pois a Doutrina Espírita tem na
Codificação Kardequiana um guia sólido, uma referência definitiva, que
subsequentemente ainda foi enriquecida por obras de inestimável valor como
aquelas de Léon Denis, Gabriel Delanne, J. Herculano Pires, Hermínio Miranda,
Martins Peralva, entre outros, além das inesgotáveis conteúdos que chegaram
pelas mãos de luz de Francisco Cândido Xavier, Yvonne Pereira, Divaldo Franco,
entre outros. Neste contexto, como a Umbanda não apresenta uma obra síntese,
está muito mais sujeita a diferentes interpretações de grupo para grupo. Por
outro lado, é interessante constatar que a Codificação Kardequiana, sobretudo
“O Evangelho Segundo o Espiritismo”, tem sido estudada por muitas casas
umbandistas.
Assim sendo,
nós espíritas devemos sempre zelar pela pureza e coerência doutrinária em
nossas casas espíritas, respeitando qualquer tipo de entidade e submetendo
todas as comunicações à luz da análise espírita, para que os grupos não se
deixem levar por crendices e superstições, mas que também não caiam em
preconceitos que não correspondem aos ideais que devem guiar a “Casa de Jesus”.
Por outro lado, fora dos limites da atividade espírita, seria de bom alvitre
uma maior compreensão de nós espíritas à missão da Umbanda para a instalação do
Evangelho na Terra, uma vez que a diversidade cultural dos diferentes grupos
humanos sempre será uma realidade, independentemente do tempo e do planeta que
habitemos.
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